Cães-robô estão patrulhando a fronteira dos EUA com o México
- Uma foto do Departamento de Segurança Interna mostra um cão-robô construído pela Ghost Robotics operando ao lado de ATVs no sudoeste dos EUA.
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- MundoZ! Tecnologia
- Atualizado: Domingo, 01 Maio 2022 15:53
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As fotos parecem cenas de um filme de ficção científica: cães robôs patrulhando a fronteira EUA-México e escalando terrenos acidentados em busca de imigrantes e contrabando de drogas.
Mas essas imagens são reais, está acontecendo agora, enquanto você lê essa matéria
O Departamento de Segurança Interna dos EUA divulgou as imagens recentemente porque quer revelar detalhes sobre como está testando a tecnologia.
As autoridades elogiaram o potencial dos robôs como um "multiplicador de força" que aumentaria a segurança dos agentes de patrulha na fronteira, reduzindo sua exposição a risco de vida.
Uma postagem divulgando os testes no site da Diretoria de Ciência e Tecnologia do DHS observa que algum dia os cães robôs, oficialmente chamados de Veículos Automatizados de Vigilância Terrestre, podem se tornar "um agente do policiamento da fronteira ou os melhores amigos dos agentes de patrulha".
"Não se surpreenda", diz a postagem, "se no futuro virmos robôs ' caminhando lado a lado com o pessoal do policiamento da fronteira."
Mas os principais pontos sobre os testes pareceram pegar algumas pessoas de surpresa, provocando uma enxurrada de reações nas redes sociais comparando as fotos com cenas distópicas de programas de ficção científica como “Black Mirror”.
"Isso parece mais com um tapa na cara da sociedade", diz Vicki Gaubeca, diretora da Southern Border Communities Coalition, um grupo que critica a iniciativa dizendo que é um desperdício "alarmante e ultrajante" do dinheiro do contribuinte que seria melhor investido no desenvolvimento de sistemas para humanizar o trabalho dos agentes da Patrulha de Fronteira.
Gaubeca se descreve como uma entusiasta de tecnologia e também dos cachorros (ela tem cinco). Mas ela diz que não vê nada de fofo nas descrições recentes do governo sobre cães-robôs dando uma "pata amiga" para as pessoas. Durante anos, sua organização alertou que a militarização ao longo da fronteira coloca comunidades e imigrantes em perigo. E isto, diz ela, é simplesmente mais um exemplo preocupante. “Existem outras tecnologias que eles já estão usando e que queremos reduzir, e ainda assim eles estão implantando outras tecnologias de vigilância que são simplesmente assustadoras”, diz Gaubeca. "Isso certamente parece algo construído para demonstrar muita agressividade, assim como nas zonas de guerra."
A Ghost Robotics, a empresa com sede no estado da Filadélfia que cria os robôs que as equipes do DHS estão testando na fronteira, diz que não há nada a temer.
"Estamos focados em fazer a coisa certa. Queremos tentar fazer a coisa certa para a segurança nacional e para o nosso país", disse o CEO Jiren Parikh.
Um porta-voz do Departamento de Segurança Interna disse que o projeto continua na fase de pesquisa e desenvolvimento, sem previsão de implantação dos cães robôs. Mas mesmo assim, há muitos problemas sérios que essa tecnologia está trazendo à tona.
Há uma grande diferença entre fantasia e realidade
Às vezes eles parecem até fofos mas, às vezes são mais assustadores, os cães robôs cativam a imaginação dos americanos há muitos anos, muito antes dos vídeos dos robôs de quatro patas da Boston Dynamics dançando começarem a se tornar virais nas redes sociais.
Eles têm sido símbolos de inovação futurista - e prenúncios sinistros do que poderia acontecer se a tecnologia caísse nas mãos erradas.
Em 1940, Westinghouse – a mesma empresa que investiu nos experimentos de Nicola Tesla na virada do século XIX – exibiu um cão de pele de alumínio numa Feira Mundial chamado Sparko e que podia andar, latir e sentar. Na década de 1960, a família do desenho animado futurista dos Jetsons adotou um cachorro eletrônico movido a energia nuclear, Lectronimo, antes de decidir doá-lo ao governo.
Cães mecânicos ameaçadores caçaram fugitivos no romance distópico de 1953 de Ray Bradbury, "Fahrenheit 451". Em 2017, um episódio de "Black Mirror" apresentou cães de guarda robôs aterrorizantes que perseguem e matam pessoas.
Mas Parikh, CEO da Ghost Robotics, diz que há uma grande lacuna entre a forma como os cães robôs são retratados na fantasia – e às vezes mostrados nas redes sociais.
"É apenas como um computador alimentado a bateria que pode se mover sobre as quatro patas e que fica inativo depois de quatro horas de trabalho. Não há como eles apreenderem nada sozinhos", diz ele. E, ele observa, "é um robô que é controlado remotamente por alguém numa mesa".
Mas ainda assim, Parikh diz que os robôs de sua empresa oferecem vários benefícios nas zonas fronteiriças. A Alfândega e Proteção de Fronteiras dos EUA está patrulhando uma região enorme, observa ele, muitas vezes sob condições adversas. "Esta pode ser uma ótima maneira de agregar valor à tecnologia", diz ele, "preenchendo as lacunas".
Durante os testes dos robôs, diferentes tipos de câmeras e sensores foram montados neles, transmitindo dados em tempo real para os humanos que os operavam via notebooks ou controle remoto portátil, disse o DHS.
As equipes os testaram primeiro no asfalto, grama e regiões acidentadas na cidade de Lorton, na Virgínia, depois os fizeram testes em cenários mais realistas como a cidade de El Paso, no Texas, fronteira com cidade mexicana de Juarez, onde subiram colinas, desceram ravinas e andaram sobre rochas.
E os exercícios também incluíram manobras em espaços apertados, altas temperaturas e condições de baixo oxigênio, “situações que são especialmente perigosas para agentes e oficiais das patrulhas de fronteiras”, disse o DHS.
A gerente do programa de Ciência e Tecnologia do DHS, Brenda Long, descreve os cães como uma "ótima ajuda", dada a ampla missão do CBP e também os muitos riscos que seu pessoal enfrenta no dia a dia.
"A fronteira sul costuma ser um lugar inóspito para homens e animais, e é exatamente por isso que uma máquina pode se destacar lá", disse.
Representantes da fronteira dizem que já se sentiam cercados
Representantes da comunidade na fronteira há muito acusam o governo dos EUA de militarizar a região e usar vigilância excessiva. E o anúncio do teste do cão robô não ajuda em nada, Gaubeca diz que "as comunidades fronteiriças já se sentem supervigiadas, supermilitarizadas e, no entanto, o governo implanta essa nova tecnologia e se gabam dela em um momento em que as famílias estão preocupadas com uma maneira de colocar comida em suas mesas ", diz ela. "O governo desconsidera as comunidades da fronteira como uma comunidade de seres humanos. É como se eles não reconhecessem que somos pessoas de ambos os lados." Para Gaubeca, tudo se resume a como os recursos são alocados.
"É um uso de tecnologia que cria mais problemas e não resolve o que vemos como sendo de fato o problema, que é como podemos responsabilizar esta agência e como podemos criar um sistema mais humanitário e eficiente na fronteira?" ela diz. "Eles deveriam gastar o dinheiro em algo mais humanitário e eficaz, em vez de intimidar as pessoas ."
O governo Biden disse que quer formar um sistema mais eficiente, humano e ordenado na fronteira, mas "isso contradiz completamente esse sentimento", diz ela.
A Ghost Robotics fez parceria com o Departamento de Defesa dos Estados Unidos no passado. E Parikh observou que tinha acabado de falar ao telefone com o Ministério da Defesa da Ucrânia.
Mas ele disse que os cães robôs na fronteira dos EUA não fazem parte de um esforço militar - e qualquer sugestão de que este seria o objetivo é bobagem.
Esta imagem divulgada pela Força Aérea dos EUA em 2020 mostra a sargento da Força Aérea Carmen Pontello apresentando Hammer, um cão pastor alemão, ao Ghost Robotics Vision 60 na Base Aérea de Scott, no estado de Illinois.
"É apenas outro portador de sensor. Está realmente à distância... É realmente para detectar o ambiente. Não está realmente interagindo com as pessoas. Não é para isso que foi feito. Não há armas nele", diz ele. “Não está sendo militarizado para operar na fronteira do país. Não está parando as pessoas, dizendo 'mãos ao alto'. Ele não pode fazer isso. É um pequeno robô, só isso."
A tecnologia, diz ele, destina-se a manter as pessoas seguras. Mas poderia ser usada contra os imigrantes na fronteira?
"Isso nunca aconteceu", diz Parikh. "Não é nem mesmo um caso de uso no exterior que já foi discutido." As pessoas não conseguem nem concordar com “uma parede física básica feita de concreto e metal”, diz ele. "Nós realmente achamos que estamos criando robôs para depois começar a armar esses mesmo robôs? Isso é pura tolice. Eu também não acho que isso esteja dentro do DNA da América", diz Parikh." Estamos em um país que possui inúmeras regras e exigências regulatórias."
Parikh diz que a Ghost Robotics trabalha regularmente com as autoridades da mesma forma que agências governamentais. "Isso não é um negócio nas sombras.... temos que fazer tudo através de processos e regras legais. Tudo o que fazemos, tudo, é questionado. Todo mundo tem a possibilidade de nos questionar para saber o que estamos fazendo."
Quando Greg Nojeim ouviu falar sobre os cães robôs, sua mente estava repleta de perguntas. A principal delas: Alguém estudou seu impacto na privacidade das pessoas? "A fronteira tornou-se uma região de testes para nova e intrusiva tecnologia de vigilância", diz Nojeim, co-diretor do projeto de proteção e vigilância para Democracia e Tecnologia.
E em muitos casos, diz ele, a lei não acompanhou a tecnologia que estava em desenvolvimento. A plataforma simplesmente passou a ser aceita, e novos usos foram inseridos. É inevitável. E eu não acho que estamos prontos como sociedade para lidar com isso, e não sabemos se esse uso é permitido, e isso muitas vezes não é. Eu não acho que as leis sejam capazes de dizer se isso pode ser permitido. ... Estou preocupado que a tecnologia esteja entrando nas nossas vidas antes mesmo das leis que devem regulamentar isso existam." Ele diz que quando isso acontece, os direitos civis são relegados a um segundo plano.
Um editorial do jornal New York Times observou que as tecnologias de vigilância que são testadas na fronteira geralmente chegam a outras partes do país antes que as pessoas se deem conta. A tecnologia de reconhecimento facial é um exemplo recente, diz Nojeim. “Essa tecnologia agora se espalhou para alguns departamentos de polícia, e outras pessoas estão descobrindo que ela não identifica todas as pessoas da mesma forma, as pessoas de cor estão sendo identificadas erroneamente em taxas alarmantes”, diz ele. Se os cães-robôs começarem a patrulhar a fronteira, diz Nojeim, é apenas uma questão de tempo antes que eles apareçam em nossos bairros mais pobres também.
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