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Um novo teste para uma velha teoria sobre os sonhos

Quando os olhos de um animal adormecido se contraem sob suas pálpebras, é porque ele está observando o cenário de um sonho?
Uma criança dormindo ilustra o artigo sobre uma Teoria sobre os sonhos.

Quando a filha de Massimo Scanziani era criança, ele via seus olhos se contraindo sob as pálpebras enquanto ela dormia. Esses movimentos rápidos dos olhos (ou REMs) são tão perceptíveis, segundo Scanziani, que ele mal consegue acreditar que foram documentados e estudados há apenas setenta anos. Em 1953, Eugene Aserinsky e Nathaniel Kleitman identificaram uma fase especial do sono quando os neurônios estavam agitados e os olhos fechados e mesmo assim se moviam freneticamente. 

Durante esta fase, agora conhecida como “sono REM”, as pessoas têm sonhos nítidos. Talvez, sugeriu Kleitman, os movimentos dos olhos refletissem “para onde e para o que o sonhador esta olhando” em seu mundo ‘virtual’.

Vários pesquisadores testaram essa “hipótese de observação” nos anos 50 e 60 e para isso eles acordavam os voluntários que dormiam quando seus olhos se contraíam e perguntavam o que eles tinham acabado de sonhar. 

A hipótese do escaneamento durante o sonho

Sem muita surpresa, esses métodos rústicos não produziram resultados muito animadores.

Mas, apesar das explicações alternativas – talvez os movimentos sirvam para lubrificar o olho enquanto está fechado ou sejam resultados de uma atividade cerebral aleatória – a verdade é que a hipótese do escaneamento do cenário do sonho ainda continua sendo aceita. 

E usando um engenhoso experimento envolvendo camundongos, Scanziani e seu colega Yuta Senzai, neurocientistas da UC Metrópole, acreditam que finalmente demonstraram que as contrações oculares são um sinal nítido para um mundo interior de sonhos.

Dependendo de como um rato se move, uma grande variedade de neurônios em seu cérebro rastreia a direção de sua cabeça, agindo como uma espécie de bússola interior. 

Muitos desses neurônios são acionados quando o rato vira para a esquerda, enquanto outros respondem quando ele vira à direita. 

Ao analisar a atividade de um rato, um cientista pode dizer para onde ele está olhando sem necessariamente observar o próprio roedor. E através do REM, ainda que a cabeça de um camundongo não esteja se movendo, suas células de direção ainda disparam como se estivessem realmente explorando o mundo real.

Os pesquisadores Scanziani e Senzai

Os neurocientistas Massimo Scanziani e Yuta Senzai, pesquisadores da UC Metrópole.

Scanziani e Senzai entenderam que, ao registrar a atividade desses neurônios com implantes de eletrodos, poderiam descobrir para onde os camundongos estariam olhando durante o sonho. 

Eles então mostraram que os sinais dessa ‘bússola interna’ combinavam com os movimentos dos olhos dos roedores (que eles podem rastrear porque os camundongos costumam dormir com os olhos ligeiramente abertos). 

Quando um rato parece mover a cabeça durante um sonho, seus olhos se movem na mesma direção, no mesmo grau e no mesmo momento. 

“Neste momento, certamente o roedor está explorando o ambiente dentro do sonho”, disse Scanziani. “Ao observar os movimentos de seus olhos, temos uma janela para seu cérebro enquanto sonha.”

Esses resultados indicam que “em sonhos, os ratos estão interagindo com os eventos que se desenrolam diante deles e fazem isso de forma ativa, intencional e dinâmica”, diz David Peńa-Guzmán, filósofo da Universidade Estadual do Centro Urbano e também autor de ‘Quando os animais sonham’. 

Segundo ele, muitos filósofos considerariam isso como “um claro indicador de consciência”.

O sono paradoxal

Mas outros pesquisadores do sono não estão convencidos de que Scanziani e Senzai realmente demonstraram o que acham que demonstraram. 

Sara Aton, neurocientista da Universidade de Michigan, diz que os movimentos da cabeça e dos olhos são tão fortemente dependentes e ligados quando ratos (e humanos) estão acordados que você simplesmente não esperaria que eles se desconectassem repentinamente durante o sono. 

O fato de que os olhos continuem ativos não nos diz se os camundongos estão percebendo um mundo de sonhos, onde estariam olhando e interagindo com ele. 

“Nós simplesmente não podemos ler isso diretamente do cérebro”, disse Sara Aton. 

Já, Mark Blumberg, neurocientista da Universidade de Iowa, concorda com ela. 

“A ligação com os sonhos é tênue”, disse. Scanziani e Senzai “afirmam que estão espiando o mundo virtual dos sonhos, mas, na verdade não fizeram isso – e nem podem”.


À primeira vista, isso pode parecer uma espécie de argumento semântico:

“Posso dizer que estamos assistindo a atividade coordenada de partes distintas do cérebro ocorrendo durante o sono paradoxal que se assemelha fortemente à atividade que o cérebro tem quando está acordado, ou posso chamar isso de sonho”, disse Scanziani. 

Mas essas coisas não são necessariamente idênticas, e Blumberg argumenta que equacioná-las pode nos distrair da compreensão do papel do sono paradoxal.

Ele observa que quando os olhos se movem durante esta fase do sono, outras partes do corpo também se contraem. 

O cérebro que está se recalibrando durante o sono

Esses movimentos podem parecer evidências de sonhos acontecendo – cães adormecidos que sonham estarem perseguindo coelhos imaginários – mas, podem representar algo mais simples. 

Blumberg argumenta que o cérebro usa o movimento rápido dos olhos para testar o corpo. O cérebro aciona os neurônios que controlam os músculos, criando contrações; ele então coleta informações sensoriais desses membros em movimento. 

Ao testar essas conexões em momentos de imobilidade, ele pode refinar e recalibrar a rede para ser mais eficiente em momentos de 'caos' quando acordado. Considerando essa visão, os movimentos da fase REM não teriam nada a ver com sonhos. 

Eles são o trabalho de um cérebro que está aprendendo a pilotar um corpo com mais eficiência. Essa explicação demonstra melhor os aspectos do sono que não se encaixam facilmente na hipótese da varredura do cenário de um sonho. 

Por exemplo, as pessoas que nascem cegas ainda movem os olhos durante o sono, embora não sonhem visualmente e de forma clara, elas não estão olhando ao redor. 

Além disso, a fase REM do sono é mais longa em humanos recém-nascidos, camundongos e outros mamíferos cujos bebês são relativamente indefesos ao nascer. 

Esses são precisamente os indivíduos cujo cérebro gostaria de ter mais tempo para tentar controlar seu corpo. 

Em contraste, se os espasmos estão ligados aos sonhos, “porque os recém-nascidos se contorcem mais apesar de terem tão pouco com o que sonhar, já que não tem muitas experiências de vida para serem replicadas em seus sonhos?” disse Blumberg.

Desde sua descoberta, o sono tem sido relacionado ao sonho (mesmo que também sonhemos em sono não REM). E como os sonhos são tão fascinantes, eles se tornaram o foco principal de nossas tentativas de conhecer o REM — e este é o sol ao redor do qual outras hipóteses orbitam. 

Mas, e se os sonhos não forem tão importantes assim? 

Scanziani disse que os sonhos podem surgir porque o cérebro reproduz memórias após “um longo dia de experiências” para organizar o que aprendeu, ou “gerar e explorar possibilidades para nos ajudar a fazer melhores previsões quando estamos acordados”. 

Isso é essencialmente o que a hipótese do cérebro fazendo um ‘test-drive’ argumenta, exceto que aqui o cérebro está simplesmente testando as conexões dentro de si mesmo, em vez daquelas com o restante do corpo. 

É especulativo considerar os sonhos e as contrações do REM como fenômenos conectados. E, além disso, essa atividade toda se parece mais com um cérebro que está se recalibrando durante o sono.

Este artigo é uma tradução de 'A New Test for an Old Theory About Dreams', escrito por Ed Yong e publicado no site The Atlantic em agosto de 2022. Você pode ler o original em inglês aqui.

 

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Author: MundoZ! Vida e Saúde
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